sábado, 26 de novembro de 2016

Retratos de um país que parecia não ter pessoas

O estudo ontem apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian, no segundo dia do fórum «Crises Socioeconómicas e Saúde Mental: da Investigação à Acção», não deixa margem para dúvidas. Como sublinha José Caldas de Almeida, que coordenou o trabalho, «os determinantes económicos e financeiros têm uma influência muito grande na saúde mental das pessoas», observando-se «uma maior prevalência de problemas» em situações de «diminuição de rendimentos e de dificuldades financeiras para aceder a bens essenciais».

De facto, entre 2008 e 2015 registou-se um aumento muito significativo da prevalência de doenças mentais na população portuguesa (de 20 para 30%), com um acréscimo particularmente expressivo nos casos mais graves (em cerca de 5 pontos percentuais). De acordo com os dados do estudo, a frequência de perturbações foi maior em pessoas que «assumiram não ter rendimentos suficientes para pagar as suas despesas», numa percentagem idêntica (40%) à dos inquiridos que declararam uma descida dos seus rendimentos desde 2008 (em quase metade dos casos devido ao «corte de salários e pensões, 14% por desemprego, 6% por mudança de emprego e 5% porque se reformaram»).


Sinal da relação estreita entre crise económica, políticas de austeridade e a degradação da saúde mental é também o facto de terem sobretudo aumentado as perturbações depressivas e as perturbações de ansiedade, verificando-se igualmente uma redução do peso relativo da incidência em pessoas mais velhas (que tendem sempre a ser mais afetadas por doenças mentais), em resultado de «um aumento crescente no escalão dos mais novos, dos 18 aos 34 anos». E embora tenham sido recolhidos dados relativos ao consumo de álcool e a suicídios, a investigação não é ainda, nesta fase preliminar, conclusiva. Certo é, contudo, que a venda de psicofármacos disparou entre 2008 e 2015 (sobretudo antidepressivos e ansiolíticos), num país que já era líder europeu no consumo destes medicamentos.

Como lembra muito oportunamente o António Rodrigues, os resultados deste estudo dão inteira razão ao então líder da bancada social-democrata, Luís Montenegro, quando afirmou, em fevereiro de 2014, que «a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor».

2 comentários:

Anónimo disse...


Já não era sem tempo um estudo desta natureza. Talvez o maior anátema contra o neoliberalismo encabrestado de social-democrata existente em Portugal.
E´ que o estado de saúde dos portugueses, para além de outros males menores, foi bastante degradado pela intervenção em forma de Bolha da recessão estrutural, por isso sistémica, do capitalismo.
Porque sem defesas próprias, estas tinham sido entregues de mão-beijada ao sub-imperio europeu, só poderia dar no que deu: «Um Portugal Amordaçado» de Adelino Silva

Anónimo disse...

Passos Coelho e neoliberalismo são um atentado à saúde pública.

Mas não vamos isentar o PS, o PS tem claras responsabilidades pelo estado que tudo isto chegou.